Thais Mantovanelli

OS XIKRIN DA TERRA INDÍGENA TRINCHEIRA-BACAJÁ: RITUAL MẼREREMEJX

Thais Mantovanelli
Doutoranda PPGAS-UFSCar

Os Xikrin são um povo do tronco linguístico Jê que, do mesmo modo como os Kayapó, também se denominam Mebêngôkre. Ocupam as Terras Indígenas Cateté e Trincheira-Bacajá na Amazônia paraense. A Terra Indígena Trincheira-Bacajá (TITB) situa-se ao longo do rio Bacajá, afluente da margem direita do Xingu em sua Volta Grande. A chegada dos Xikrin à região do rio Bacajá tem como data aproximada meados da década de 20. Antes do contato com a sociedade nacional, ocorrido a partir de 1959 e 1961, os Xikrin viviam caminhando por toda a região de floresta ao longo da margem do rio e no interior de seus igarapés e promoviam guerras com os grupos Araweté, Assurini e Parakanã. Com o fim das guerras, a pacificação e aldeamento dos povos da região, a TITB passa a compor o complexo multiétnico da região da Volta Grande do Xingu[1].

Atualmente, os povos da região vivem uma relação conflituosa com setores do governo nacional, por conta das pressões e impactos gerados com a construção do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte. Os Xikrin da Terra Indígena Trincheira-Bacajá (TITB) chamam a usina hidrelétrica de Belo Monte de ngô beyêt [água podre, água suja, água velha, água parada]. Essa definição é o espectro de Belo Monte sobre o seu rio, uma previsão acurada que nenhum cálculo técnico do “impacto da obra” consegue, ou quer, apurar.

Os Xikrin gostam de ser vistos bonitos: pintados e ornamentados. Beleza (mejx) é buscada em todas as relações que estabelecem tanto entre si, quanto entre si e outros grupos indígenas, entre si e os brancos, entre si e demais seres. Essa busca por beleza é parte do conjunto de procedimentos éticos/estéticos que compõe seu modo de vida: kukradjá, termo traduzido pelos Xikrin como cultura. Saber extrair beleza do mundo e das relações que o compõe é saber operar kukràdjà, e seu conjunto de conhecimentos. Kukradjá é condição para produção de pessoas e coisas belas e é entendido como sendo as capacidades ou conhecimentos necessários para a ação correta na realização dessas produções. É comum associar krukràdjà à tradução de conhecimento, envolvendo tanto conhecimentos rituais tradicionais, quanto saber pilotar voadeiras. Mebêngôkre kukràdjà [conhecimento dos Mẽbengôkre] é a cultura que faz parte do modo de existência Xikrin e Kayapó. O conceito kukràdjà não se constitui num repertório fixo, estabelecido e transmitido através das gerações como réplica. Ao contrário, kukràdjà compreende um conjunto dinâmico de saberes e conhecimento, constantemente alterado por novos aportes, novos conhecimentos ou novas atribuições.

Parte do conjunto de saberes kukràdjà são as execuções dos rituais, realizados atualmente nas aldeias da TITB, de forma a compor uma associação com o calendário brasileiro de festas e feriados. Assim, nas datas festivas do calendário que comemoram o Dia do Índio, Natal, Ano Novo e Independência do Brasil, os Xikrin organizam seus rituais executados nas aldeias.

As imagens selecionadas são de um ritual de nominação feminino que os Xikrin nominam mereremex, ocorrido em sete de setembro de 2013 (data em que se comemora Independência do Brasil). Nesse ritual, três crianças do sexo feminino tiveram seu nome bonito [idjy mejx] confirmado. Sem a confirmação ritual adequada, o nome bonito não é reconhecido como um índice correto de distintividade. As mulheres mais velhas, conhecedoras das sequências das músicas a serem entoadas no ritual, são responsáveis por ensinarem as mais jovens e por assumirem o coro musical [mengrere].

No ritual que acompanhei, do qual apresento as imagens, um novo elemento decorativo foi incorporado como adereço: as bexigas. A incorporação das bexigas mostra os movimentos de ampliação de elementos estéticos ao conjunto de saberes kukràdjà, que tem nos rituais sua mais eficaz demonstração.

[1] A saber: os Juruna (TIs Paquiçamba e KM 17); os Arara (TIs Arara, Cachoeira Seca e Arara da Volta Grande); os Xikrin (TI Trincheira-Bacajá); os Assurini (TI Koatinemo); os Kayapó (TI Kararaô); os Parakanã (TI Apyterewa); os Araweté (TI Araweté do Ipixuna); os Xipaia (TI Xipaia); os Kuruaia (TI Kuruaia).

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