O QUE PODE UM MURO?

Ion F. de las Heras
Licenciado em arquitetura e urbanismo pela Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Barcelona (ETSAB-UPC)

“O detalhe que me interessa não é, ou pelo menos não é rigorosamente, intencional, e provavelmente não é preciso que o seja; ele se encontra no campo da coisa fotografada como um suplemento ao mesmo tempo inevitável e gracioso”.  Barthes, 1984:76.

Por muito tempo, foram numerosas as ocasiões nas que a antropologia contribuiu ao afundamento dos enunciados materiais em mares de fatos, significados ou situações sociais sempre preponderantes. Foram alguns desses conceitos do social os que, por comodidade, perpetuaram certo domínio sobre os contextos, aqueles panos de fundo simplificados, que não precisavam ser problematizados. Porém, neste caso, o objeto etnográfico é o muro.

Acontece que um muro não é fundo; talvez tampouco figura. Ele faz parte de cada ação, cada evento, cada acaso, cada olhar, cada fotografia; se constitui em cada acontecimento, e, ainda mais, constitui cada acontecimento. O muro é parte da enunciação, ele se agencia. É precisamente por isso que aqui se apresentam fotografias de fragmentos de muros, já que, em essência, nem sequer há muros completos para além de definições de identidade; só encontramos partes agenciadas. Neste caso, agenciadas a pigmentos e pinturas, objetos folclóricos e de consumo, tecidos, numerações, padrões estéticos, tipografias e logotipos, símbolos revolucionários, souvenires, elementos e ornamentos arquitetônicos, referências literárias e escultóricas, reproduções de órgãos sexuais, expressões de amor, marcas comerciais e lógicas econômicas, categorias filosóficas, etc.

De palha, de madeira ou de bloco; o potencial do muro não é questão de resistência, mas de relações e afetos. Tudo depende do enunciado em desenvolvimento; da preguiça dos porquinhos e dos pulmões do lobo.

BARTHES, Roland. 1984. A Câmara Clara. Nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira